De Onde Vêm as Danças?

por Andy Bettis
tradução Mauricio Olivieri de Lima

É interessante como as coisas mudam com o tempo. Ao longo de meus anos de dança circular minha abordagem tem oscilado entre um certo número de polaridades: da compulsão de colecionar coreografias à redução ativa de meu repertório; da adesão estrita ( ao o que eu pensava ser) aos estilos regionais à expressão auto guiada; de uma abordagem quase-religiosa das formas rituais à festas dançantes. Eu suponho que mudanças de foco como estas são esperadas em um meio tão expressivo como o da dança, especialmente quando combinado com o desafio de liderar grupos com várias habilidades e em diversos ambientes. Longe de considerá-las como ameaças, eu penso que esssas vicissitudes têm me tornado um dançarino e professor mais bem acabado.

Recentemente me fizeram uma pergunta, aparentente inofensiva, no meu grupo regular e ela me fez pensar quanto esta minha atitude, sobre esta questão particular, mudou com o passar dos anos. Parecia irônico, já que esta pergunta era uma que eu costumava atazanar meus primeiros professores sempre que tinha a oportunidade. Assim que a dança era apresentada eu era o primeiro a perguntar:

De onde vem esta dança?

Nos meus primeiros anos de dança eu, como muito dançarinos homens - mas isto é outro assunto - era um ávido colecionador de danças. Eu gastava os meus intervalos do chá debruçado sobre meu caderno, escrevendo os passos da coreografia e qualquer coisa a mais relativa as danças, cada dança em sua página, em ordem alfabética. Uma das coisas que eu precisava saber antes de transpor a dança para meu caderno, era de onde ela havia originado. Mas na verdade, a única razão para perguntar era para manter meu banco de dados de informações preciso e arrumado. Não fazia diferença para mim se a dança originasse na Bretanha ou na Bulgária, era apenas mais uma coisa para eu me lembrar dela. Quando comecei a ensinar tornou-se cada vez mais importante saber a origem geográfica de cada dança, porque um verdadeiro professor deveria, é claro, saber. Fazia bem para meu ego, e tinha o uso prático de me tornar uma autoridade na qual as pessoas passariam a aceitar e seguir no intuito de alcançar o objetivo comum da dança.

Nesta altura a pergunta tinha uma resposta simples e direta para cada dança. Ali Pasha vinha da Turquia, Rei das Fadas da Irlanda, Lesnoto da Iuguslávia. Tudo ia bem. A simples resposta para esta pergunta me levava a outras respostas simples. "Danças bretãs andam para a esquerda", "Danças gregas são energéticas", " Danças lentas são para meditação". Limitando a dança ao que eu havia anotado em meu caderno, me facilitava o suficiente para lembrá-la em meio as centenas de outras que havia colecionado, e ao torná-la tão simples eu era capaz de fazer enormes generalizações sobre as danças de determinado país.

No entanto, assim que alcancei o estágio idílico, pequenas fendas começaram a aparecer na fachada de meu conhecimento. Eu descobri que se dois professores tinham respostas diferentes à pergunta, não havia como descobrir quem estava certo. Poderia a dança ser descrita como iugoslava mesmo após o país estar fragmentado em Bósnia, Sérvia, Macedônia e assim por diante? E sobre a música? Se uma dança coreografada para uma música romena, tornaria-a romena? Meio romena? Para atrapalhar mais as coisas, existia muita informação circulando dentro dos grupos de danças circulares, que foram confundidas ao serem transmitidas. Eu me lembro em uma oficina de dança onde um conhecido professor, que deve permanecer anônimo, tinha vendido fitas de músicas de danças sem um listagem das danças. Ao invés disto, uma grande folha de papel foi afixada com os nomes e nacionalidades das danças, as quais nós com convicção copiamos. Tristemente, a ordem da lista não correspondia exatamente a ordem na fita, e por anos danças foram passadas através da rede de grupos de danças com nomes falsos, como resultado deste engano. Como confusões como estas se tornaram cada vez mais facilmente notadas, eu passei a iniciar as sessões de danças com a seguinte declaração: "Tudo o que vocês ouvirem em uma reunião de dança está errado" (Isto continua verdadeiro, mas agora por outras razões).

A exposição à dança típica 'comum' fez as coisas ainda mais difíceis. Os professores comumente sabem o exato vilarejo de onde veio aquela dança, mas geralmente dizem o nome da pessoa da qual aprenderam-na como sendo a fonte mais importante. Eu comecei a ver o que estilização regional poderia significar, e de como não poderia ser reduzida a uma única característica. Na verdade, quanto mais eu aprendia sobre estilos regionais, mais e mais regiões eu descobria dentro dos países que eu considerava anteriormente homogêneos. Minhas respostas a pergunta estavam se tornando mais longas e muito mais específicas, e estavam começando a partir de onde eu havia aprendido a dança e progressivamente recuava, ao invés de dar um ponto de partida definitivo de onde a dança teria chegado a nós.

Uma mudança em minha abordagem pedagógica estava refletindo esta descrição da origem da dança, centrada na pessoa. Eu descobri que estava gastando mais tempo e energia ensinando as pessoas a dançar ao invés de ensiná-las a dança, e que o antigo objetivo de fazer com que todos movessem da mesma forma, no mesmo momento estava se tornando uma prioridade menor. Quando comecei a olhar o balanço entre o indivíduo e o grupo na dança circular, eu descobri que o ato de se submeter aos movimentos compartilhados do grupo precisava ser balanceado pelas oportunidades da expressão individual, se não dentro de cada dança pelo menos dentro do evento.

Com este equilíbrio como objetivo principal, o centro de meu ensinamento começou a mudar. Eu comecei a incluir danças mais simples onde a sequência de passos poderia ser ensinada mais rapidamente para que pudéssemos dançar logo, assim como nas danças ciganas onde estilos individuais coexistem num mesmo círculo. Eu também comecei a experimentar usar diferentes arranjos para a mesma música, explorando a variedade de formas de dançar um mesmo conjunto de passos, e mudando, modificando, e simplificando danças existentes para realçar elementos particulares que eu gostaria que o grupo compartilhasse.

Esta última mudança foi um grande passo para mim. Por toda a minha vida de dança eu havia visto as danças como uma versão platônica ideal a qual todo dançarino deveria almejar: quanto mais um aprendesse sobre a dança mais ele estaria perto do ideal e qualquer variação disto seria errado. Eu ponderei que se todos mudassem os passos não haveria mais uma comunidade de dança circular, porque cada grupo teria a sua própria versão e cada dança seria ensinada diferentemente, no caso de alguém haver aprendido de outra forma. Apesar da filosofia, eu notei que cada vez que ensinava uma dança eu filtrava através de minha própria experiência, habilidade e preferências, de forma que eu terminava inadivertidamente mudando-a de alguma maneira.

Esta questão estava me levando a todos os tipos de complicações. Uma dança poderia ser rastreada a um país, mas o caminho não parava aí; ela poderia levar a um vilarejo específico e a um período de tempo em particular quando foi coletada. Agora eu preciso fazer cada vez mais perguntas. Seria esta versão específica realmente característica desta área? Teriam as fronteiras mudado na história recente, estaria o vilarejo em um novo país, existiria ainda o país original? Teria a dança sido homogeneizada por grupos de danças para enfatizar a unidade nacional? As pessoas que viviam naquela área ainda moram lá, e se não, para onde foram? Se a dança vem de um grupo de expatriados morando em um país alienígena, qual a verdadeira nacionalidade? Mesmo assumindo que respostas satisfatórias a estas perguntas podem ser conseguidas, cada dança é modificada - inconscientemente ou deliberadamente - por cada pessoa pela qual passa, e nisto eu me incluo. Como isto afeta sua identidade? Se eu aprendesse uma dança armênia em uma comunidade americana por um professor holandês na Inglaterra seria esta dança ainda considerada armênia? Eu mais tarde descobri que a música e os passos de uma dada dança podem ter histórias, origens e significados diferentes, possivelmente sem qualquer conecção histórica anterior a algum dançarino trazer a duas juntas. Sem pretensões de dar uma palestra nos vários elementos que influenciam a dança cada vez que eu ensinava, como poderia responder a pergunta?

Mas eu descobri uma nova resposta.

Quando ensino uma dança, eu estou fazendo muito mais do que passando um conjunto de passos. Eu estou trazendo uma grande quantidade de fontes externas e influências: os professores dos quais aprendi as danças, o que aprendi da observação de outras pessoas dançando; todas as informações que aprendi sobre a dança; estilo regional, história e assim por diante. Depois há os fatores pessoais: coisas que lembro sobre como dançar a dança, pensamentos e memórias corporais; outras experiências de dança, meu repertório de movimento, no sentido de dança folclórica e na habilidade geral e preferência de movimentos; como a dança me toca e como eu a interpreto. Cada vez que eu executo uma dança será um pouquinho diferente. Eu poderei simplificar ou exagerar alguns passos para fazerem eles mais fáceis de serem seguidos, eu posso dançar a versão básica para dar as pessoas um ponto de referência, ou poderei inserir variações para encorajá-los a experimentar. Minha cabeça e meu nível de energia colorirão minha dança, assim como o contexto dado pelas danças vindas anteriormente. E mais profundamente ainda, podem haver arquétipos culturais e campos morfogenéticos nos quais eu estou canalizando em existência. Todas estas coisas estão potencialmente presentes, mas não é até eu começar a me movimentar que a dança passa a existir.

Portanto, a simples resposta para a pergunta é: eu. Eu sou a fonte da dança, a autoridade definitiva e um expert sem paralelo, e também o é cada dançarino ou professor que a transmite. As raízes podem se espalhar em todas as direções, mas é somente quando se juntam no movimento humano que a dança pode ter a existência real e física. Eu tenho a liberdade de escolher meu próprio caminho com a dança, a responsabilidade de transmitir o que eu sei para que aqueles que eu ensino possam fazer suas próprias escolhas, e o apoio de todos aqueles que antes de mim mantiveram a dança viva.